Sindicato dos Aeroviários no Estado de São Paulo
Quarta, 27 de Novembro de 2024

Como a mobilização de duas jovens levou o metrô de SP a agir contra abuso sexual

16/10/2015

Em 2014, houve também uma polêmica com a propaganda do metrô paulista veiculada na Rádio Transamérica em que um personagem chamado Gavião diz que até gosta do trem lotado porque "é bom pra xavecá a mulherada, né mano?! (sic)"

Tudo isso combinado à discussão da proposta de adesão ao famoso "vagão rosa" no sistema metropolitano de São Paulo – que significaria separar vagões exclusivamente para mulheres em horários de pico, como ocorre no Rio de Janeiro – levou Ana Carolina Nunes, de 24 anos, e Nana Soares, de 23, a decidirem fazer alguma coisa para combater o problema.

Elas não são funcionárias, são apenas usuárias do metrô há anos, que se cansaram de ver casos de assédio ou abuso se multiplicarem nos vagões – Ana, inclusive, até sofreu com esse problema quando era adolescente e não sabia como se defender. Hoje, ela é faixa preta de jiu-jitsu, mas não tem a mínima vontade de usar suas técnicas de luta para se defender de agressores sexuais no transporte público. Por isso, optou por procurar outros mecanismos de defesa para combate o cerne do problema.

"No começo do ano passado, estava muito em evidência, foram uns 3 casos de estupro em coisa de um mês", disse Ana Carolina à BBC Brasil. "Me dava desespero porque, para mim, parecia muito óbvio que o Metrô e a CPTM só em se comunicarem já poderiam fazer alguma coisa. Uma simples campanha já causaria muito impacto, e eu pensava: será que eles não percebem isso?

Jornalista por formação e pesquisadora de políticas públicas por interesse, Ana foi buscar ajuda primeiro com a colega de profissão Nana, também jornalista, e especialista no tema da violência contra a mulher. Juntas, elas procuraram o metrô para sugerir atitudes – e cobrá-las depois - de combate ao assédio nos vagões.

Mas a tarefa não foi tão simples quanto parecia. "A gente elaborou sugestão em três eixos: prevenção, a responsabilização e o foco na vítima. Eu achei que a gente ia fazer um documento, protocolar e pronto. Achei que ia apresentar, eles iriam entender e pronto. Não esperava que eles abrissem para eu discutir junto", contou Ana.

 

Image copyrightOswaldo Corneti
Image captionEm situações de pane, metrô registrou até casos de tentativa de estupro no ano passado

Saga

Não foi bem assim. De quando fizeram as primeiras sugestões em maio de 2014 – por duas vias: a ouvidoria do metrô e o canal de relacionamento – até o dia em que a campanha foi para os vagões (agosto deste ano), foi quase um ano e meio.

"Uma coisa que pautou a conversa é que era preciso quebrar o mito de que o agressor no metrô é o maníaco do parque. Não e pra falar com esse cara achando que ele é um psicopata", disse Ana.

"Tem gente que faz porque acha que isso é uma brincadeira. Então quando você faz uma campanha mostrando que isso é errado, aquele cara que faz achando que é brincadeira, não pode dizer que não sabia que é errado."

"E falamos que era preciso também falar sobre a denúncia na campanha, que ela é uma ferramenta importante de combate."

Nesse período, elas passaram por cerca de seis ou sete reuniões, participaram do primeiro treinamento com supervisores das estações, viram a gestão do metrô mudar após a eleição do governo estadual e chegaram a achar que o projeto iria por água abaixo.

"Eu me impressionei muito com a burocracia. A gente convencia um departamento e aí tinha que passar para outro. Isso me incomoda muito, foi quase um ano e meio entre falar com o metrô e a campanha ir para os trens", disse Nana à BBC. "Esse tempo não e o mesmo que da usuária do metrô, não é o tempo que o assédio acontece."

Resistência

Na primeira reunião, ainda houve um pouco de desconfiança. "Percebi que o ponto mais crítico era fazer eles entenderem a gravidade da situação. Para algumas pessoas, isso parecia mais evidente, para outras, não. São empresas masculinas, dominadas por homens da base ao todo", comentou Ana.

"Eu senti na primeira reunião isso de ‘quem são vocês? e o que estão fazendo aqui?’. Depois eles foram se acostumando e vendo que a gente entendia disso, do tema violência de gênero. Dá uma diferença gritante da primeira reunião com o primeiro treinamento. Tinha gente que achava que isso não era importante", completou Nana.

Em uma palestra explicativa para supervisores de estações sobre o que é assédio e por que ele é ruim, elas contam que puderam ver estampado no rosto dos funcionários do metrô a surpresa com que receberam as informações.

"Foi falado que assédio não é elogio e etc. e, enquanto explicavam isso, víamos que as funcionárias mulheres concordavam, mas que os homens não entendiam. É algo tão naturalizado, que eles não entendem como isso pode ser uma violência. E isso não é no metrô, é em qualquer lugar", contou Nana.

Com a aproximação das eleições estaduais, houve uma parada na evolução do processo, que só foi retomado em fevereiro deste ano – sempre acompanhado de cobranças das duas. Apesar de o governador Geraldo Alckimin ter sido reeleito, houve uma mudança de gestão, então foi necessário retomar as discussões.