Medicamento indisponível no SUS daria até 8 anos de vida a pacientes com câncer
Nos próximos dez anos, o câncer deverá se tornar a principal causa de morte no mundo. Estimativas mostram que em 2030 existirão 30 milhões de novos casos da doença em todo o mundo. No sexo feminino, o câncer mais comum é o de mama, e até o final de 2014, 57 mil mulheres descobrirão ter a doença, de acordo como Inca (Instituto Nacional de Câncer). O cenário fica mais preocupante ao considerar que a taxa de mortalidade do câncer de mama subiu 16,7%, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), e que em metade dos casos a doença é descoberta já em estágio avançado e com metástase.
Para a maioria das mulheres nessa situação o câncer não tem cura, mas é possível viver mais cinco anos, em média, depois do diagnóstico. Segundo o médico oncologista Carlos Barrios, professor da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) e diretor do Instituto do Câncer do Hospital Mãe de Deus, de Porto Alegre (RS), há casos de pacientes que ultrapassaram essa estimativa em dois ou três anos.
Essa possibilidade existe graças a dois medicamentos que as pacientes devem utilizar, além do tratamento de quimioterapia.
— Em 2000, se tratava essas pacientes com quimioterapia e o tempo de vida delas era de aproximadamente 20 meses. Quando se colocou o trastuzumab no tratamento, a expectativa foi para 37 meses.
Se além do trastuzumab e da quimioterapia, a paciente tiver acesso ao remédio pertuzumab, a expectativa de vida sobe para mais de 56 meses, e os médicos garantem que é possível levar uma vida normal nesse período. Segundo o oncologista e chefe-geral do Centro de Oncologia Antônio Ermírio de Moraes do Hospital São José, em São Paulo, Antônio Carlos Buzaid, após a quimioterapia, que dura cerca de seis meses, a paciente passa a fazer uso só do trastuzumab e pertuzumab, e não há mais efeitos colaterais.
— O cabelo cresce e a paciente pode trabalhar, viajar, levar uma vida normal.
Entretanto, o trastuzumab, hoje, não está disponível no SUS (Sistema Único de Saúde), em que 73% das 57 mil pacientes com câncer de mama se trata. Já o pertuzumab está disponível na rede pública, mas em casos muito específicos, de acordo com o médico oncologista do Instituto do Câncer Mãe de Deus Stephen Stefani.
— O trastuzumab somente é disponível na rede pública em casos de tratamento preventivo, e não de controle de doença avançada, apesar dos estudos já disponíveis há quase uma década.
O medicamento é usado não só para aumento da sobrevida de pacientes sem chance de cura, mas também após cirurgias de retirada de câncer em mulheres com o gene HER2, que aumenta a predisposição à doença. Nesses casos, o trastuzumab evita que células cancerígenas apareçam novamente.
Para Stefani, não há perspectiva de mudança no padrão de atendimento público e inclusão de remédios novos e mais sofisticados no atendimento oferecido pelo SUS.
De acordo com o médico oncologista Sérgio Jobim de Azevedo, membro do serviço de oncologia do Hospital Mãe de Deus, os remédios trastuzumab e pertuzumab têm um custo muito elevado para o hospital e, consequentemente, para o governo.
— Quando fazíamos só quimioterapia, cada paciente custava ao hospital R$ 318. Mas quando começamos a usar novas tecnologias, os números saem de proporção. E isso é um problema, porque ao mesmo tempo que damos boas vindas às novas tecnologias, temos que nos dar conta de que estamos impondo um custo elevado. Para um tratamento de seis meses com trastuzumab, o custo é de R$ 57 mil.
O preço cobrado por cada medicamento pela indústria farmacêutica pode parecer um exagero e, para Barrios, esses valores não são definidos de forma clara.
— Trabalho na pesquisa clínica com a indústria farmacêutica há muito tempo e para mim isso não é transparente. Cerca de 95% da investigação clínica que se faz em câncer no Brasil é patrocinada pela indústria farmacêutica. E a proporção do ambiente privado na indústria farmacêutica tem aumentado. Nesse sentido, estamos nas mãos da indústria.
Mas, para o oncologista, mesmo que não seja possível para o governo disponibilizar os medicamentos no SUS o assunto precisa ser discutido para que isso, em algum momento, se torne viável.
— Vamos ter que definir quanto custa a vida de uma mulher com câncer de mama no Brasil. E eu quero ver quem é o político que vai matar essa no peito.
O médico defende que a vida de um paciente deve sempre ser mais importante que o dinheiro, e mulheres estão morrendo por falta de tratamento no sistema público.
— Quando a gente se vê nessa situação tem que sentar e fazer com que o preço seja discutido.
Pesquisa clínica é alternativa para pacientes
Barrios chama atenção para outra dificuldade no tratamento desses pacientes: a demora na aprovação de pesquisas clínicas no Brasil. Quando um novo medicamento está pronto, precisa ser utilizado em seres humanos para que os pesquisadores observem como acontecem as reações de cada organismo, e se elas variam entre etnias, por exemplo. Para isso é feita a pesquisa clínica, que não gera despesas ao governo, e que só é liberada após a avaliação de um comitê que a analisa do ponto de vista científico e ético, para garantir a proteção dos pacientes.
No Brasil, essa autorização pode demorar até 14 meses para sair, enquanto nos Estados Unidos e na Inglaterra o tempo necessário para avaliar cada pesquisa é de, no máximo três meses, segundo o especialista.
— O número de pacientes é completo antes de começarmos a participação na pesquisa. E a gente perde em todos os sentidos. Perde porque os estudos não vêm para o Brasil, porque os recursos desses estudos também não vêm pro Brasil, e perde em relação ao possível resultado.
A necessidade de discutir tanto a autorização para as pesquisas clínicas quando o preço dos novos medicamentos é, para Barrios, urgente. Principalmente porque a incidência de câncer só tende a aumentar, e as taxas de mortalidade são muito maiores em países como o Brasil, que não dispõem dos mesmos recursos dos Estados Unidos.
— Câncer é um problema sério e vai adquirir proporções epidêmicas.
Em nota, o Ministério da Saúde informou que "ainda não recebeu, até o momento, pedido de análise para incorporação, quer seja de empresas produtoras, sociedades médicas, ou sociedade civil. O Ministério da Saúde e as Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde não fornecem diretamente medicamentos contra o câncer. A oferta é feita com a inclusão nos procedimentos quimioterápicos registrados no subsistema APAC-SIA-SUS, devendo ser fornecidos pelos hospitais credenciados no SUS e habilitados em Oncologia, com o ressarcimento do Ministério da Saúde. Por meio do valor pago pela APAC, a instituição tem autonomia para adquirir a medicação que avaliar necessário para cada caso".
O Governo Federal também disse que " tem investido na melhoria do acesso da população à prevenção, exames e tratamentos do câncer. Desde 2012, o Ministério da Saúde incluiu 114 medicamentos e procedimentos no SUS, que equivale a quase três vezes a média anual de incorporações feitas nos últimos seis anos. Além de medicamentos, o SUS os procedimentos de radioterapia e hormonioterapia para o câncer de mama.