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Terça, 26 de Novembro de 2024

Mulheres optam cada vez mais por não serem mães, mas ainda enfrentam preconceito

01/10/2014

Elas tiveram que lutar pelo direito ao voto, queimaram sutiãs para poder trabalhar, quebraram barreiras para usar calças jeans e cortar o cabelo no estilo 'joãozinho'. Defenderam o direito de usar anticoncepcional, ainda suam para ter a garantia de igualdade salarial com os homens e agora precisam enfrentar mais uma batalha: a do direito de dizer ‘não’ à maternidade. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do ano 2000, 14% das famílias brasileiras não tinham filhos. Em 2010, a porcentagem cresceu para 20%, o equivalente a 22 milhões de pessoas que fizeram a opção.

Chamada de NoMo, a geração "Not Mothers" é composta por mulheres que não possuem filhos, seja pela falta de vontade, por infertilidade, dificuldade em encontrar um parceiro ideal ou qualquer outro motivo. "Sinto que preciso me explicar para a sociedade a todo momento", conta a advogada Gabriela Sales, de 37 anos. "É uma situação chata e desgastante. A cada reunião familiar surge a pergunta “E aí, quando vai ter um filho? Já está passando da hora hein?”, e tenho que dizer que ser mãe não está nos meus planos. Sinto que as pessoas me olham com pena, ou com raiva, não conseguem entender a minha decisão", lamenta Gabriela. A advogada explica que, para ela, ter filhos já foi um sonho mas, com o passar do tempo, a vontade desapareceu. "Foquei por bastante tempo na minha carreira, não tinha tempo para ser mãe. Agora que já estou estabilizada, prefiro usar meu tempo, dinheiro e energia comigo mesma. Gosto de viajar, quero rodar o mundo e não vejo como fazer isso tendo uma criança. Um filho atrapalharia a minha vida. Admiro muito mulheres que são mães, mas não é pra mim. Sou uma tia bastante coruja, gosto de crianças, mas não é pra mim. Estou bem resolvida quanto a essa questão", conta ela, que é casada há 5 anos. 

De acordo com a professora Marlise Matos, coordenadora do Nepem (Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da UFMG), estamos vivendo um fenômeno demográfico. "Com a escolarização, entrada da mulher no mercado de trabalho e com a criação do anticoncepcional, as mulheres começaram a ter escolha. O planejamento familiar passou a ser possível e elas viram que, mesmo trabalhando, continuariam responsáveis pelos afazeres domésticos e cuidados com as crianças. A tripla rotina é muito pesada, de mãe, trabalhadora e mulher. A consequência inevitável desse processo é a recusa à maternidade. É um fenômeno irrevogável", explica a professora. 
Ainda segundo Marlise, é fundamental que a sociedade discuta os papéis dos gêneros. "Essa história de que a masculinidade se reinventou é equivocada. Temos sim alguns pais que assumem de fato a criação dos filhos, mas a maioria ajuda ocasionalmente a trocar uma fralda. As mulheres coéiantinuam sendo quase que exclusivamente responsáveis pelo trabalho doméstico e pelos filhos e isso acaba sendo um entrave para os horizontes profissionais, intelectuais e de lazer das mulheres. Daí a recusa, o desejo de não maternar."

Sociedade
Diante de toda essa revolução de pensamento feminino, muitas mulheres, apesar de não terem o desejo da maternidade, sentem-se cobradas a desempenhar a função de matriarca. "Acaba sendo doloroso para essas mulheres, que são vistas muitas vezes como deficientes, já que não cumprem o 'papel social' que deveriam e, quando acabam se rendendo e optando por filhos, romantizam a maternidade para facilitar a aceitação dessa condição imposta", analisa a professora. 

É o caso da jornalista Amanda Magalhães, mãe do Pedro, de 4 anos. Ela conta que não queria ter filhos, mas cedeu à pressão do marido, família e amigos. "Me sentia excluída dos papos por ser a única da turma a não ter filhos. Meu marido me cobrava constantemente e minha família também. Claro que não me arrependo, amo meu filho, mas queria ter pelo menos esperado mais para aumentar a família. A sobrecarga é muito grande e, por mais que todo mundo diga que vai ajudar, o trabalho pesado fica com a mãe", conta. 

De acordo com Marlise, é importante que as mulheres parem de se sentir exclusivamente responsáveis pela reprodução/criação dos filhos. "Precisamos ter uma mudança de mentalidade. São necessários o pai e a mãe para a concepção da criança. Então, consequentemente, ambos devem ser igualmente responsáveis pela criação da mesma. Na prática, a gente vê que isso ainda não acontece, mas a discussão é importante justamente por isso, para tentarmos mudar essa realidade”, conclui.

 

NoMos pelo mundo
Em Hollywood, a geração NoMo abriu caminhos e tem adeptas que ajudam a defender a ideia e mostrar que as mulheres podem ser felizes sem ter filhos. Uma delas é a atriz Cameron Dias, considerada porta-voz das Not Mothers. “Tenho uma vida genial em muitos sentidos precisamente por não ter filhos. É só uma opção”, declarou a estrela em uma entrevista. Além dela, outras famosas como Jennifer Aniston, Audrey Tatou, Helen Mirrene Zooey Deschanel integram o time das mulheres que não querem ter filhos. Mas a relação com a não-maternidade é diferente de mulher para mulher e pode ser dolorosa. Se Cameron Dias leva a situação numa boa, Jennifer Aniston, por exemplo, disse que se sente julgada. "Sinto ter falhado em alguma parte do meu feminismo ou em ser mulher por que não pari. Eu pari muitas coisas. Sinto como se fosse mãe de muitas coisas, menos de um filho," disse a atriz. 

A tendência das NoMos é tão forte que, nos Estados Unidos, Reino Unido e Canadá existem grupos de apoio para as mulheres que optam por não ter filhos. Um deles é o "Gateway Women", que oferece palestras, workshops e encontros periódicos para discussão. No Brasil, por enquanto, ainda não há iniciativa semelhante, mas o livro "Sem Filhos: 40 Razões Para Você Não Ter", da escritora suíça Corinne Maier, pode ser encontrado nas livrarias. No polêmico best seller, a autora desconstrói a glamourização da maternidade e aborda os sentimentos ambíguos que na sua visão a envolvem, como amor, ódio, frustrações, culpa e ciúme. Também fala da limitação que a criança impõe aos pais, os altos custos financeiros e as crises de adolescência. Nas palavras da autora, que não tem papas na língua, sua obra mostra como a sociedade que privilegia as crianças na verdade penaliza os adultos".