Mulheres são atraídas para vagas de motorista e dirigem até caminhão
O avô e o tio da catarinense Vanessa de Souza Pereira, de 18 anos, que vive em Florianópolis, despertaram a curiosidade da estudante para o mundo dos automóveis. Ambos são mecânicos, e Vanessa cresceu entre carros e peças.
Enquanto espera por uma vaga no curso de engenharia mecânica da universidade federal do Estado, Vanessa se deparou com o programa Primeira Habilitação, desenvolvido pelo Serviço Social do Transporte e o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Sest/Senat), braço social da Confederação Nacional dos Transportes (CNT).
O programa concede a primeira habilitação a 50 mil jovens de baixa renda com o compromisso de que se engajem no setor de transporte e trabalhem como motoristas.
O objetivo de Vanessa é tirar a carteira de habilitação de forma gratuita, pois não tem dinheiro para pagá-la. Mas a jovem também tem interesse pelo trabalho, e não descarta continuar na posição caso goste. "Eu encararia até o transporte de cargas. O mercado de trabalho na indústria automotiva sempre foi masculino. É hora de mudar isso", diz.
Vanessa está entre os 125 mil inscritos no programa da CNT, dos quais 43% são mulheres. O número de jovens do sexo feminino aumenta para 62% entre os inscritos em Santa Catarina, um dos Estados onde o setor de transportes mais cresceu.
O dado surpreende até mesmo entidades do setor e marca o início de uma mudança, mais inclusiva, na força de trabalho no setor de transportes, um dos diversos a sofrer com a falta de mão de obra no Brasil.
Hoje, estima-se que sejam necessários ao menos 130 mil motoristas para complementar a força de trabalho no setor, devido ao crescimento da economia brasileira, que impacta diretamente o setor de transportes e não foi seguida pelo número de novos profissionais nos últimos anos.
No Sest/Senat, a busca de mulheres por cursos aumentou 49% em 2013 se comparada ao ano anterior – os dados são nacionais. Hoje, 16% dos frequentadores das aulas oferecidas são mulheres. Wesley Passaglia, diretor do Sest/Senat nacional, estima que o maior efetivo de mulheres esteja no transporte de cargas em curta distância, nas cidades.
"Precisam-se de motoristas mulheres"
Os sinais desta mudança já aparecem no perfil de vagas de trabalho oferecidas. Um exemplo é a Evanil, empresa de ônibus do Rio de Janeiro que já abriu processo seletivo com vagas apenas para motoristas mulheres. A Viação Mimo, da capital paulista, também já despertou a atenção para a diversificação de sua força de trabalho.
Mas é a Braspress, empresa de encomendas com atuação nacional, que começou a olhar para o contingente feminino, inicialmente como um meio de diferenciar a empresa no caso de entregas para clientes em shoppings e lojas. Além de maior cuidado das funcionárias com relação à aparência física, a empresa queria no começo da iniciativa mais atenção com as encomendas e com os pequenos caminhões.
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O programa-piloto de diversificação do contingente de motoristas começou na empresa em 1998 e hoje são 400 funcionárias do sexo feminino na empresa, 4 pontos porcentuais acima da meta de 50% do total da força de trabalho.
Essa expansão ocorreu porque a iniciativa foi além. A empresa conseguiu, ao longo do tempo, resultados mais concretos, como a redução de acidentes em 7% e economia de 4% com combustível – hoje o maior vilão em custos para as transportadoras. Sobre a falta de mão de obra, a Braspress também considera que sofreu menos com o aquecimento do mercado de trabalho ao integrar mulheres na função.
A mudança, portanto, é também estratégica para diminuir custos. Como as mulheres costumam planejar mais a viagem, arriscam menos na condução do veiculo, dificilmente fazem ultrapassagem em local não permitido, a expectativa do setor é de que possam gerar um desconto na negociação com seguradoras no futuro, assim como já acontece no caso de veículos de passeio.
"As mulheres se comprometem mais a respeitar regras de trânsito, e dificilmente se envolvem com bebida ou drogas ilícitas", diz Miguel Antonio Mendes, diretor-executivo da Associação dos Transportadores de Carga de Mato Grosso (ACT).
Segundo o diretor de Operações Luiz Carlos Lopes, da Braspress, a integração entre homens e mulheres foi difícil no início, mas hoje é "tranquila". "O homem defendeu seu espaço, como instinto de proteção, mas deixamos claro que competência não tem sexo".
Mulheres são separadas e têm filhos
Geralmente as mulheres têm filhos e são separadas, diz Lopes, das Braspress. A idade das profissionais é variada. "Já tivemos profissional com 23 anos e outra com 64 anos, que era muito ativa e até se casou com um outro funcionário", conta Lopes.
A motorista Teresinha Iugas, de 50 anos, trabalha há dez anos na Braspress e tem três filhos. Começou dirigindo caminhões urbanos, até chegar a uma carreta de 19 metros e que pesa 18 toneladas. Teresinha sempre gostou de dirigir, até que conheceu um motorista de microônibus. "Estava desempregada, e ele sugeriu me candidatar a motorista". No começo, conta que seu filho ficou preocupado, mas aceitou. "Hoje, não escuto mais piadinhas de colegas".
O salário no posto varia de R$ 2 mil a R$ 5 mil, no caso de carretas e viagens maiores. Não há diferença com relação ao salário pago para homens, ao contrário do que se vê em outros setores da economia. "Elas ganham mais aqui do que ganhariam como empregadas domésticas, por exemplo", complementa o executivo.
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A mulher não conduz apenas o veículo, mas tem de lidar com a tecnologia dos veículos (por exemplo, computador de bordo e sistemas de segurança), se comunicar e também escanear produtos. Na Braspress, não é necessária experiência. Basta ter habilitação e a empresa se encarrega de treinar a nova funcionária.
A novata começa no pátio, fazendo manobras. Depois, realiza ligações entre as filiais dentro das cidades até chegar ao pátio da carreta e interligar terminais utilizando estradas. "Cerca de 20 mulheres já chegaram a este nível de especialização e aceitaram o trabalho de longa distância", diz Lopes.
Profissão oferece riscos
Miguel Antonio Mendes, diretor-executivo da Associação dos Transportadores de Carga do Mato Grosso (ACT), aponta que, se, por um lado, o posto de motorista exige pouca escolaridade, por outro oferece o risco inerente da profissão. "Isso porque falta infraestrutura logística no País. Temos muita rodovias em péssimo estado de conservação, assim como locais para embarque e desembarque de mercadorias".
Segundo o executivo, faltam ainda centros de apoios para que o motorista descanse, garantidos por lei. "Nos grandes centros urbanos, o motorista apenas pode descarregar o caminhão no período noturno e geralmente não encontra lugar adequado para aguardar a conclusão do trabalho". Ele também cita a falta de segurança nas rodovias, e problemas com roubos de cargas.
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Neste cenário, até mesmo fabricantes de caminhões se envolvem na luta para atrair profissionais ao mercado, e impulsionar investimentos das empresas.
A Scania busca incentivar profissionais e atrair novos com o campeonato Melhor Motorista de Caminhão do Brasil, realizada a cada dois anos. Rodrigo Machado, coordenador do programa, aponta que o objetivo é incentivar a qualificação dos profissionais, já que, entre os prêmios, são oferecidos treinamentos, e também atrair a atenção de jovens.
O executivo aponta que o problema de falta de mão de obra no setor acontece no mundo todo. "Tanto que iniciamos este campeonato na Europa em 2003. Em 2005, vimos a necessidade de estendê-lo ao Brasil, entre outros países da América Latina", conta.
No campeonato, também é possível observar a ascensão das mulheres: enquanto cinco motoristas do sexo feminino se inscreveram para o concurso em 2005. Em 2012, o número subiu para 56, apesar de ainda representar 0,27% do total.
Em 2010, uma mulher chegou a ficar entre os finalistas, a motorista Cristina Oliveira Costa, mineira de 34 anos. "Sempre gostei de dirigir e já enfrentei viagens longas. Hoje, tem mais oportunidades para mulheres do que quando comecei, há dez anos", conta. A inspiração veio do seu pai, também motorista.