Melatonina pode inibir cancro da mama
Além de regular os ciclos de sono e vigília, a melatonina – hormona produzida naturalmente nos mamíferos pela glândula pineal, do cérebro, em resposta à escuridão – pode ajudar a retardar o crescimento do cancro da mama, avança a Agência FAPESP, citada pelo EXAME.com.
Uma pesquisa realizada por cientistas da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), no Brasil, em colaboração com colegas do Hospital Henry Ford de Detroit, em Michigan, nos EUA, e publicado em Janeiro na revista PLoS One, esclareceu que essa capacidade da hormona se deve ao papel que ele pode desempenhar no controle da formação de novos vasos sanguíneos a partir da vasculatura já existente do tumor, denominada angiogénese.
O estudo foi desenvolvido no âmbito do projecto “Avaliação da angiogénese em resposta ao tratamento com elatonina no cancro da mama: estudo in vitro e in vivo”, realizado com apoio da FAPESP.
“Constatamos que a melatonina consegue inibir o crescimento tumoral e a produção de células cancerosas, além de bloquear a formação de novos vasos sanguíneos do tumor em modelos animal [in vivo] e celular [invitro]”, disse Debora Aparecida Pires de Campos Zuccari, professora da Famerp e coordenadora do projecto, à Agência FAPESP.
De acordo com Zuccari, já se sabia que a melatonina, quando administrada em doses terapêuticas – acima dos níveis naturalmente encontrados no organismo –, apresenta propriedades antioxidantes. E estimava-se que a hormona pode suprimir o crescimento de alguns tipos de células cancerosas, especialmente quando combinado com certas drogas utilizadas no tratamento do cancro. A melatonina é comercializada em países como os EUA como suplemento alimentar.
Para testar essas hipóteses, Zuccari iniciou em 2008 uma série de estudos com o objectivo de verificar se a melatonina poderia retardar o cancro da mama – o tipo de cancro mais comum em mulheres, com uma alta taxa de mortalidade devido, principalmente, à progressão e à metástase.
Segundo a investigadora, o crescimento do tumor está associado à angiogénese – formação de novos vasos sanguíneos a partir da vasculatura já existente do tumor –, regulada por genes como o Factor de Transcrição Induzido por Hepóxia (HIF-1α), Factor de Crescimento Endotelial Vascular (VEGF), Factor de Crescimento Derivado de Plaquetas (PGFF), Factor de Crescimento Epidérmico (EGF) e angiogenina, entre outros.
Uma vez que o tumor entra em processo de crescimento exponencial e atinge alguns milímetros de diâmetro, o centro do tecido começa a sofrer de falta de oxigénio (hipoxia) e isso estimula a expressão desses genes responsáveis pela angiogénese, principalmente o VEGF, para aumentar o aporte de nutrientes no local, explicou Zuccari.
“O VEGF liga-se aos seus receptores e, dessa forma, promove a angiogénese por meio de sua capacidade de estimular o crescimento, a migração e a invasão de células endoteliais (localizadas na camada celular interna dos vasos sanguíneos)”, contou a investigadora.
“Como a revascularização é essencial para o crescimento de tumores e metástases, o controle da angiogénese é uma estratégia promissora para limitar a progressão do cancro”, indicou.
Estudo em ratinhos
Para avaliar os efeitos da melatonina sobre a angiogénese no cancro da mama, os pesquisadores realizaram um estudo com ratinhos atímicos – roedores geneticamente modificados, que não possuem pelagem. Para realizar o estudo, eles implantaram células tumorais na mama de um grupo desses animais imunodeprimidos.
Os ratinhos receberam injecções via intraperitoneal de 1 miligrama de melatonina por 21 dias seguidos, durante a noite e uma hora antes de a iluminação da sala em que estavam confinados ser desligada.
Os volumes dos tumores foram medidos semanalmente, com um compasso digital. No final do tratamento, os animais foram submetidos a tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT, na sigla em inglês), para determinar se a melatonina contribuiu para diminuir o tamanho do tumor e se houve mudança na formação de novos vasos sanguíneos.
Os investigadores constataram que o tamanho do tumor e a proliferação de células cancerosas dos ratinhos tratados com melatonina diminuíram após os 21 dias de tratamento, em comparação com os animais que não receberam a hormona. Também houve uma redução na densidade dos vasos sanguíneos do tumor do grupo tratado com melatonina.
“O tratamento com melatonina mostrou eficácia na redução do crescimento tumoral e na proliferação celular, bem como na inibição da angiogénese”, afirmou Zuccari. De acordo com a investigadora, o estudo foi replicado em linhagens de células tumorais.
Os resultados das análises indicaram que a melatonina administrada em doses terapêuticas foi capaz de reduzir a viabilidade de células cancerosas. A expressão do receptor de angiogénese (VEGFR 2) também diminuiu significativamente nos animais tratados com melatonina, em comparação com o grupo de controlo, afirmou Zuccari.
“Mostrámos que a eficiência da ligação do VEGF com o receptor de angiogénese [ VEGFR 2] diminuiu quando a melatonina foi utilizada”, contou a investigadora.
De acordo com Zuccari, actualmente ela e seu grupo concluem um estudo no qual avaliam o papel da melatonina na diminuição de metástase de células de cancro da mama.
Os resultados preliminares também indicaram uma diminuição significativa do foco de metástase em ratinhos que receberam injecções da hormona. “Estamos tentando mostrar que existem diferentes frentes de acção da melatonina e que a hormona é eficiente em todas elas”, apontou.
Após a conclusão dos estudos em animais, a ideia é realizar um estudo clínico – em humanos – com a melatonina. O principal obstáculo para isso, no entanto, é que, por ainda não ter acção comprovada no tratamento do cancro, a hormona não pode ser usado em pacientes que possuem outra possibilidade terapêutica.
“Teríamos de começar o estudo clínico com um grupo de pacientes terminais, sem opção de tratamento, para verificar, inicialmente, se a melatonina melhora o bem-estar deles, por exemplo, para depois analisar outras questões, tais como se ela inibe a progressão do cancro”, afirmou Zuccari.
Os cientistas iniciaram um estudo com mulheres com e sem cancro da mama, em uma mesma faixa etária, para avaliar a hipótese de que mulheres com cancro possuam níveis de melatonina no organismo mais baixos do que as que não têm cancro.
“Se essa hipótese for confirmada, talvez por isso essas mulheres com cancro da mama não consigam obter os efeitos protectores proporcionados pela melatonina e necessitem suplementá-la em suas dietas”, disse Zuccari.