Sindicato dos Aeroviários no Estado de São Paulo
Terça, 26 de Novembro de 2024

Turbulência nas finanças

17/09/2012

 

A mensagem vem da cabine do comandante: “Atenção, estamos passando por uma zona de instabilidade. Solicitamos que os senhores permaneçam nos seus lugares e mantenham seus cintos afivelados”. Desde o ano passado, essa sentença comumente proferida por qualquer piloto durante um voo também é aplicável à gestão das principais companhias aéreas do Brasil. Com prejuízo conjunto de mais de R$ 2,5 bilhões entre 2011 e o primeiro semestre de 2012, Gol e TAM estavam de pé no corredor da aeronave durante o aviso, chacoalhando de um lado para o outro, e agora têm o desafio de se acomodar na poltrona novamente para evitar maiores danos. 
 
Por ironia do destino, as contas no vermelho das duas gigantes, hoje responsáveis por quase 75% do mercado nacional, vêm em um momento em que nunca se voou tanto no País. De acordo com a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), o número de embarques e desembarques domésticos e internacionais saltou de 71,2 milhões, em 2003, para 179,9 milhões em 2011. Até julho de 2012, esse índice chegava a 111,7 milhões, quantia maior do que todo o volume transportado cinco anos antes. 
 
“As classes C e D passaram a viajar de avião, e a tendência é de que o mercado continue crescendo. Os resultados das empresas aéreas, porém, estão atrelados ao desempenho da economia global”, justifica Elones Ribeiro, coordenador do curso de Ciências Aeronáuticas da Pucrs. Desta forma, questões envolvendo o câmbio e as economias debilitadas de países desenvolvidos influenciam diretamente na saúde financeira do setor.
 
Da gasolina à manutenção dos aviões, a maior parte das despesas das companhias é paga em dólar. Com a alta da moeda norte-americana no segundo trimestre de 2012, os gastos saltaram. No período, somados os balanços de Gol e TAM, os custos operacionais chegam a R$ 5,6 bilhões, um acréscimo de R$ 800 milhões frente a igual época de 2011. O combustível é tido como o principal vilão, responsável por 
R$ 2,2 bilhões da fatura. As contas com arrendamentos e tarifas aeroportuárias (R$ 620,1 milhões) e manutenção (R$ 332,9 milhões) igualmente se elevaram.
 
É uma situação que nem a crescente demanda interna consegue compensar. “A aviação é um negócio extremamente sensível às variáveis externas, o que deixa a margem para lucro pequena perto da estrutura necessária para operar. Tivemos o período crítico de 2008 e agora a crise europeia, o que gera inúmeros transtornos. Por isso, as companhias estão passando por uma época complicada”, acredita Richard Lucht, engenheiro aeronáutico e diretor-geral da ESPM-Sul. Lucht constata que, do início dos anos 2000 até 2008, os participantes do segmento conseguiram aproveitar a elevação do fluxo de passageiros e tiveram bons momentos. Agora, o ambiente se mostra pouco favorável a todos, inclusive às demais companhias. 
 
Em busca da recuperação do fôlego do passado, os maiores players brasileiros resolveram repensar seus planejamentos, enxugando procedimentos, rotas e, no caso da Gol, até o quadro de funcionários. Centenas de colaboradores foram demitidos. “Eles alegaram um remanejamento nas linhas. Nos meus últimos meses de empresa, circulavam alguns boatos de demissões, mas a gente nunca espera que isso aconteça”, diz Diego Von Mühlen, um dos pilotos dispensados em abril. A dupla também mexeu nas tripulações de suas viagens, reduzindo, em alguns casos, de quatro para três o número de comissários a bordo.
 
Situação provoca demissões na Gol
 
Enquanto a cidade dormia, Diego Von Mühlen se acomodava na cabine do Boeing 737-800 da Gol estacionado na pista do aeroporto Zumbi dos Palmares, em Maceió, para começar um novo dia de trabalho. Por volta das 4h30min da madrugada de 26 de março, o piloto iniciou a viagem com escala em Brasília e parada final em Guarulhos. Formado em Ciências Aeronáuticas pela Pucrs em 2007, Von Mühlen havia entrado na companhia em abril de 2011.
 
Em sua primeira experiência no setor, ele ainda se surpreendia com a profissão. Cada nova cidade conhecida, as conversas trocadas com os comandantes que o acompanhavam, as más condições dos aeroportos de Norte a Sul do Brasil, tudo era novidade.
 
Assim que a aeronave alcançou altura suficiente para superar as nuvens e tornar a paisagem um imenso azul-marinho iluminado pela lua e pelas estrelas, os comissários trouxeram à tona o carrinho contendo bebidas e pequenas porções de batata frita. A intenção era fazer o serviço de bordo logo no início do percurso, para não acordar os passageiros que dali a pouco cairiam no sono. Aquela seria uma das últimas vezes que os clientes receberiam a refeição de graça. 
 
Internamente, a companhia havia declarado guerra aos gastos em função do rombo crescente no caixa. Qualquer despesa que pudesse ser reduzida, assim seria: do tamanho do cartão de embarque ao uso do combustível. Nesta lista, entrou o lanche. Agora, os passageiros interessados em petiscar algo recebem um cardápio, fazem o pedido e pagam pelas escolhas. 
 
Por volta das 7h30min, o avião pousou na capital federal. Em seguida, uma forte neblina fechou o aeroporto Presidente Juscelino Kubitschek, o que inviabilizou a partida imediata para solo paulista. Após algumas horas, a conexão foi retomada e, depois do meio-dia, o Boeing aterrissou no pátio de Cumbica. Com dois dias de folga pela frente, Von Mühlen retornou a Porto Alegre. No Rio Grande do Sul, logo se dirigiu a Teutônia, onde vive. Depois, voltaria para fazer mais três voos em março.
 
Durante o descanso, o telefone tocou. A voz do outro lado da linha disse: “Os seus voos estão suspensos. Faremos uma reunião no dia 2 de abril, em um hotel de São Paulo.” E então, na data marcada, o piloto da Gol foi até o local preestabelecido. Ao chegar, percebeu que outros 85 companheiros de ofício e 45 comissários tinham recebido a mesma mensagem. “Eu imaginava o que seria o assunto, mas, no fundo, tinha alguma esperança de que fosse algo simples”, lembra Von Mühlen.
 
O contingente, composto basicamente de funcionários das últimas cinco turmas de admitidos da companhia, foi avisado da dispensa em função de um “novo planejamento”. O clima no salão do hotel misturava desolação e inquietação. “Não podemos ser realocados na Webjet?”, perguntou um, aludindo à companhia que a Gol havia comprado por R$ 96 milhões no ano anterior. “Seremos admitidos novamente, quando a situação financeira da empresa melhorar?”, indagou outro. A resposta institucional de que as portas não seriam fechadas definitivamente atenuou um pouco o clima lúgubre.
 
Depois de 273 horas de voo pela Gol e tantas descobertas, Von Mühlen conheceu a primeira novidade negativa na profissão: a demissão provocada pela retração do mercado. Mesmo assim, ele não se deixa abater e já aguarda o contato de outra empresa. “Com a Copa e as Olimpíadas, as empresas vão voltar a contratar a partir do próximo ano”, confia.
 
Empresas diminuem a quantidade de voos
 
A enfermeira Márcia Carvalho contava os dias para passar o final de semana com o noivo em Buenos Aires, onde ele cursava seu mestrado. A saída de Porto Alegre, marcada para 6 de julho, estava confirmada com três meses de antecedência a partir da compra de um bilhete da TAM. Márcia já tinha feito o mesmo trajeto anteriormente sem percalços. Desta vez, entretanto, seria diferente. E para pior. Em 30 de junho, a companhia aérea anunciou o cancelamento da conexão direta entre as capitais do Rio Grande do Sul e da Argentina.
 
A interrupção do trajeto Porto Alegre-Buenos Aires abrangeu todos os voos marcados após 2 de julho. Hoje, os clientes gaúchos da TAM precisam fazer escala em São Paulo ou Rio de Janeiro se quiserem saborear um bife de chorizo ou assistir a um show de tango no Caminito. Com isso, o tempo médio da viagem saltou de uma hora e meia para mais de cinco horas. A empresa atrelou a suspensão à um processo de “reestruturação estratégica da malha”. Em suas políticas de cortes de gastos, Gol e TAM finalizaram nos últimos meses dezenas de conexões nacionais e internacionais consideradas pouco rentáveis.
 
Assim que ficou sabendo da situação, Márcia protocolou uma queixa no Procon da cidade e entrou em contato com a TAM para resolver o problema. A companhia se dispôs a colocá-la em outro voo rumo à capital argentina, mas com parada em São Paulo. Hipótese descartada de imediato. A opção foi por reaver o valor da passagem. Com pouco tempo disponível, ela acabou encontrando um voo direto pelas Aerolíneas Argentinas. Porém, teve de pagar do próprio bolso aproximadamente R$ 300,00 a mais. “A TAM sequer me avisou do cancelamento. Não digo que nunca mais voarei com eles, até porque são poucas as opções e o atendimento tem caído de qualidade também nas outras”, lamenta.
 
Diante de uma situação como essa, a diretora-executiva do Procon de Porto Alegre, Flávia do Canto Pereira, recomenda que o passageiro procure os mecanismos de defesa do consumidor. “É difícil conseguir alguma coisa dessas empresas, mas é importante recorrer à Anac e ao Procon. Essa documentação pode sustentar uma ação na Justiça depois”, afirma. Após receber várias queixas envolvendo o cancelamento do traslado para a cidade portenha, o órgão da capital gaúcha ingressou com uma medida cautelar e, depois, com um processo administrativo.
 
A empresa só se manifestou depois de o prazo de defesa expirar. Pelo episódio, a TAM acabou multada em 
R$ 416,8 mil. A conta continua pendente e pode se tornar ainda mais salgada, pois vários prejudicados ingressaram com ação na Justiça por danos morais. 
 
Companhias de médio porte conquistam espaço
 
Nem só de enxugamento vive o setor aéreo brasileiro. Enquanto Gol e TAM apertam os cintos com o objetivo de reduzir custos, alguns dos seus concorrentes voam no sentido inverso. Avianca e Azul encabeçam esse movimento. Ambas as companhias estão expandindo suas áreas de atuação e investindo em infraestrutura. Com operações mais enxutas em relação às rivais, elas trafegam pelas beiradas e, aos poucos, ganham mais representatividade no mercado.
 
De acordo com a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Gol e TAM tiveram 74,82% do mercado doméstico em julho de 2012. Apesar da supremacia da dupla, as demais empresas apresentaram evolução na comparação com julho de 2011. Puxado pelo desempenho de Avianca, Azul e Trip, esse grupo teve, junto, representatividade de 25,18% frente 20,75% de um ano antes. O resultado representa uma expansão de 21,35% na participação. Se o confronto for entre o primeiro semestre de 2012 frente a igual período de 2011, a evolução chega a 30,76%. 
 
O cenário faz com que as companhias de médio porte pensem grande. Apesar de ter capital fechado e não informar maiores detalhes sobre suas finanças, a Avianca vislumbra seu primeiro lucro mesmo com a conjuntura econômica adversa. “Até agora estamos nos mantendo. Se não tivermos nenhuma surpresa com os custos e o câmbio, vamos terminar o ano com equilíbrio”, diz Tarcísio Gargioni, vice-presidente comercial e de marketing da marca no Brasil.
 
Para sustentar a tese, Gargioni recorre ao plano de investimentos iniciado em 2010. A estratégia prevê o aporte de R$ 2,6 bilhões até 2015. E 2012 é um ano-chave dentro da tática. A companhia entrou janeiro com 26 aviões e vai encerrar dezembro com 34 modelos. O aumento da frota começa ainda neste mês, possibilitando que a quantidade de voos diários salte de 147 para 200. Além disso, em outubro, um novo destino será inaugurado: Maceió. A fim de dar conta da ampliação da estrutura, 300 funcionários foram contratados até o momento, e outros 500 devem ser empregados nos próximos meses.
 
Agora, o próximo passo da Avianca é tentar acabar com o rótulo de empresa de elite, já que 80% dos seus passageiros atualmente são das classes A e B. Ao todo, os executivos geram 65% do tráfego, pessoas em busca de lazer 25% e indivíduos com motivações particulares 10%. “Queremos todos os públicos dentro do avião, mas isso depende do perfil de rotas. Na medida em que vamos mexendo na nossa malha, isso vai se alterando. A classe C está no alvo, nossa visão é de 180 graus”, garante Gargioni. 
 
No mesmo embalo, a Azul também está vivenciando um momento de estabilidade. A partir da aquisição da Trip, anunciada recentemente, a marca deve se isolar na terceira posição do mercado, com uma fatia de quase 15% do bolo. “O segredo da Azul é que ela opera com aeronaves menores e consegue atuar em mercados ainda pouco explorados. Assim, ela pode investir em destinos onde levar 50 pessoas ao invés de 120 é mais negócio. O crescimento da empresa está sendo baseado em rotas de média densidade”, ressalta Richard Lucht, engenheiro aeronáutico e diretor-geral da ESPM-Sul.
 
Desta forma, Lucht destaca que as companhias de médio e pequeno porte podem ganhar terreno justamente na atuação em trechos até então deixados em segundo plano. “Os destinos de alta densidade, como São Paulo, estão esgotados e com aeroportos muito ocupados. Além disso, as maiores companhias, Gol e TAM, só se tornariam concorrentes em rotas de baixa densidade se comprassem aeronaves menores. O que, neste momento, não é uma opção estratégica para elas”, lembra o especialista.