Comissárias de voo negras formadas com ajuda de projeto social são contratadas por companhias aéreas
Do Rio Grande do Sul para os ares de todo o Brasil. Esse é o caminho que pelo menos três mulheres negras e alunas do projeto Pretos que Voam, do coletivo Quilombo Aéreo, percorreram de 2022 até hoje.
Elas estavam entre os 10 alunos vindos de periferias da Capital e da Região Metropolitana que se formaram no curso de comissário de voo, com bolsas de estudo, em novembro de 2021. Atualmente, são funcionárias de companhias aéreas.
Para uma das coordenadoras do Pretos que Voam, a comissária Kênia Aquino, 37 anos, ver as alunas sendo contratadas traz o sentimento de que o projeto está ajudando a abrir portas.
Jéssica está feliz e realizada
Uma das comissárias recém-contratadas é Jessica Oliveira Carneiro, 20 anos, moradora do bairro São João, na Capital. Ela começou a trabalhar na função em novembro de 2022. Foz do Iguaçu (PR), Natal (RN) e Confins (MG) são algumas das cidades onde já esteve desde então.
Interessada em conhecer lugares e idiomas e em atender pessoas, ela topou participar da seleção para integrar o projeto Pretos que Voam. Sobre o que aprendeu no curso de comissária, explica:
— É muito sobre primeiros socorros, segurança, emergência, evacuação. São muitos conteúdos que a gente deve saber, mas é incrível saber que não é só sobre servir os cafezinhos, é sobre segurança, é sobre cuidado no geral.
Assim como outros colegas, ela foi aprovada na prova da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), necessária para exercer a função. Hoje, Jessica diz que não se vê fora da profissão. A mãe, segundo ela, tem se orgulhado:
— Ela enche a boca para falar de mim (risos), conta para todo mundo que sou comissária, é engraçado. Ela está amando tudo isso, está muito orgulhosa.
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Sonho de criança
Sinto como se a Ashley de nove anos estivesse realizada agora. Estou no lugar onde quero estar e rodeada de amigos — conta Ashley Dominique Pereira Flores, 20 anos, também contratada.
Ela é moradora do bairro Bom Jesus, na Capital, e começou oficialmente na função no último dia 7. Mas, desde outubro de 2022, estava em treinamento na companhia aérea.
A jovem sonha em atuar na área desde pequena, quando via comissárias na rua e dizia que queria seguir aquela profissão. Questões financeiras limitavam a escolha.
Foi pelo Quilombo Aéreo que Ashley andou pela primeira vez de avião. E, desde a contratação, já teve novas experiências, como uma visita a Buenos Aires — algo que estava fora de seus planos.
Trajeto inesperado
Juliana Mello, 26 anos, cursava Direito e estava desmotivada quando descobriu o Pretos que Voam nas redes sociais. E, então, decidiu pesquisar sobre aviação.
A jovem, que hoje mora na Vila Rosa, em Novo Hamburgo, mas antes vivia no Morro da Embratel, na Capital, foi contratada por uma companhia aérea em junho passado.
— Me sinto orgulhosa e feliz em poder ser um auxílio financeiro para minha família — pontua.
Juliana foi a primeira da turma a conseguir emprego. Embora tenha se sentido "um pouco perdida", no início, por estar sem o grupo, ficou "honrada":
— Senti também uma responsabilidade muito grande por abrir caminho para os meus colegas e para muitas outras pessoas negras que têm o sonho da aviação.
Escola própria
O Quilombo Aéreo está se tornando uma escola. A entidade busca homologação junto à Anac para atuar com Educação a Distância (EaD), com parcerias para aulas práticas em instituições pelo país.
Para ajudar a dar esse passo, o grupo abre hoje uma vaquinha online que busca R$ 30 mil. Se obtiver o valor, para cada R$ 1 arrecadado, um edital da plataforma Benfeitoria, de mobilização de recursos para projetos, contribui com mais R$ 2.
— A escola vai ser para qualquer pessoa que entenda que a gente precisa falar sobre a antidiscriminação. O primeiro pilar nosso é o antirracismo, obviamente. Mas nós vamos sempre combater toda e qualquer discriminação — ressalta Kênia, uma das fundadoras do quilombo.
Em 2023, a ideia é ajudar comissários já formados a atuarem na área. Segundo Kênia, com a formalização, a escola manterá a atuação social, com bolsas de estudo.
Saiba mais
/// O Quilombo Aéreo surgiu em 2019 a partir de uma inquietação compartilhada por Kênia e Laiara Amorim, também coordenadora do projeto e comissária. Vendo o racismo e a baixa presença de pessoas negras na aviação, elas decidiram agir. Outros comissários negros se uniram à dupla e, assim, o grupo foi se formando.
/// Em 2020, o coletivo foi aprovado em um edital que permitiu criar o Pretos que Voam, projeto que ofereceu bolsas de estudos para o curso de comissário de voo com a ideia de fortalecer a presença de negros na área.
/// Ao longo de 2022, o coletivo ofereceu outras atividades aos alunos, voltadas, por exemplo, à preparação para entrada no mercado de trabalho. Para isso, tiveram a parceria de entidades como a Odabá, uma associação de afroempreendedorismo em Porto Alegre.