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Segunda, 25 de Novembro de 2024

A Mulher Que Venceu Jorge Amado – O Livro De Carolina Maria De Jesus

03/04/2019

Uma mineira da cidade de Sacramento veio para São Paulo, em 1947, com o objetivo de encontrar uma oportunidade de vida melhor, mas mal sabia que, em alguns anos, ela faria história como uma das mais importantes escritoras do nosso país.

Carolina Maria de Jesus, como já citado, era natural de Minas Gerais e de uma família de negros analfabetos, infelizmente, uma situação corriqueira nas décadas de 40-50 no Brasil. Ao desembarcar na Estação da Luz, Carolina não tinha perspectiva ou sequer um emprego para começar a construir sua história na cidade.

Contudo, em um raro momento de sorte, conseguiu arrumar um emprego na casa de Euryclides de Jesus Zerbini, precursor da cirurgia do coração no Brasil. Vale a curiosidade que, enquanto não trabalhava, Carolina tinha o passatempo de aproveitar a biblioteca do médico.

Seu esforço era tamanho que, com pouco tempo de serviços e estudos, já sabia ler e tinha alguma noção de escrita. Como era muito orgulhosa e, em alguns casos até metida, acabou saltando de emprego em emprego até engravidar pela primeira vez de João José no ano de 1948. Ela ainda seria mãe mais duas vezes: em 1949 e em 1953.

Infelizmente quando ficou grávida, Carolina não tinha emprego e, por isso, foi obrigada a morar na Favela do Canindé que ficava nos arredores do estádio da Portuguesa. É dessa época, inclusive, que surgem os primeiros relatos sobre o aparecimento e crescimento das favelas paulistanas. Sua vida, a partir de então, não foi nada fácil, afinal, teve que erguer o próprio barraco e viver catando papel e tudo mais que pudesse aproveitar pelas ruas de SP.

Por Sorte, Sua Obra É Descoberta

Se nesses mais de 10 anos em que esteve em São Paulo a nossa personagem não teve sorte, o ano de 1958 representa, de certa forma, uma virada em sua trajetória. Foi nesse ano que Carolina teve contato com o famoso jornalista Audálio Dantas, funcionário da Folha da Noite, que foi à favela do Canindé escrever uma reportagem sobre o local.

E a situação do encontro dos dois foi a mais estranha possível. Segundo relatos do próprio jornalista, alguns homens mais velhos estavam brincando em um playground da favela quando, de repente, surge uma mulher esbravejando que, se eles não fossem embora imediatamente, ela os colocaria no livro dela e todo mundo saberia o que acontecia por lá.

Nesse momento, com o sentimento de jornalista soando, Audálio resolve perguntar sobre esse tal livro. E a resposta e o que ele descobriria seriam coisas surpreendentes. Segundo declarações do jornalista: “É um documento sobre o que um sociólogo poderia fazer estudos profundos, interpretar, mas não teria condição de ir ao cerne do problema e ela teve, porque vivia a questão”.

Ao ser convidado para conhecer o trabalho de Carolina, Dantas chegou a dizer que: “Achei que devia parar com a minha pesquisa, porque tinha quem contasse melhor do que eu. Ela tinha uma força, dava pra perceber na leitura de dez linhas, uma força descritiva, um talento incomum”, declarou.

No momento em que examinou os cadernos de Carolina, o experiente jornalista já sabia que tinha algo muito diferente em mãos. Apesar de existirem registros de contos, poesias e até romances, Audálio se impressionou com um diário que começara a ser escrito em 1955. Vale dizer que ela achava esses cadernos no lixo e, apenas com sua vontade e suas situações de vida, relatava a vida da comunidade em que vivia.

Parte de seu material foi publicado, no mesmo ano de 1958, em uma edição da Folha de São Paulo e, em 59, na Revista “O Cruzeiro”, do grupo dos Diários Associados. Segundo notas da época, essas reportagens geraram grande repercussão e a ideia de fazer um livro foi abraçada pela Editora Francisco Alves. Audálio foi o “editor” do livro e, para surpresa de todos, não fez nenhuma correção:  “Selecionei os trechos mais significativos. O texto foi mantido na sintaxe dela, na ortografia dela, tudo original”, apontou.

Diversas passagens são marcantes. Existem coisas simples como, buscar água, fazer o café e, também narrativas fortes, como a morte de um garoto que comeu um pedaço de carne estragada que foi encontrada no lixão. Outra característica importante do livro é a relação que ela estabelece com as cores. Em determinado momento, por exemplo, a fome é relatada como amarela. Ela conta que estava morrendo de fome e tudo era amarelo: céu, árvores, aves e, após uma refeição, isso passou. O depoimento é ainda mais impressionante por não ser uma ficção, mas uma situação de uma pessoa viva que passou por tudo aquilo.

O seu primeiro livro, “Quarto de Despejo”, foi um grande sucesso de vendas. A obra da “escritora da favela”, como ficou conhecida, chamou a atenção do público logo de cara. O sucesso foi tão estrondoso que até mesmo a revista Times fez uma reportagem sobre o livro.

O “Quarto de Despejo” conseguiu bater os livros de Jean Paul-Sartre e ‘Gabriela’, de Jorge Amado. No dia do lançamento em 30 de agosto de 1960, a escritora autografou mais de 600 livros, um recorde. Entre os que compareceram ao evento, estava ninguém menos do que o Ministro do Trabalho João Batista Ramos.

Após o lançamento, seguiram-se três edições, com um total de 100 mil exemplares vendidos, tradução para 13 idiomas e vendas em mais de 40 países. O sucesso de seu primeiro livro não foi o suficiente para que ela conseguisse emplacar um segundo romance. Conhecido como “Casa de Alvenaria”, lançado em 1961, a obra vendeu apenas 10 mil exemplares. Nos Estados Unidos, segundo um levantamento feito pelo jornal Última Hora, ela é lida até hoje.

Com o dinheiro que ela conquistou de sua primeira obra, Carolina comprou uma casa no bairro de Santana e, logo depois, um sítio em Parelheiros. Ela viria a falecer no ano de 1977, aos 64 anos, vítima de bronquite asmática. Sua obra, entretanto, continuou e, após seu falecimento, foram publicados o Diário de Bitita, com recordações da infância e da juventude; Um Brasil para Brasileiros (1982); Meu Estranho Diário; e Antologia Pessoal (1996).