A mulher que tem a chave do muro na fronteira entre Texas e México
Eloísa Tamez, ativista contra as barreiras na fronteira EEUU-México, no pátio traseiro de sua casa em San Benito, Texas, em 18 de junho de 2018 - AFP
Ela não se identifica nem como mexicana, nem como americana. Eloísa Tamez é de origem lipan apache e seus antepassados eram os donos dessa terra um século antes de que uma guerra impusesse o limite entre o Texas e o México.
Agora seu pátio traseiro está atravessado por um muro fronteiriço que ela considera uma “violação”.
Os fundos de sua casa, no povoado fronteiriço de El Calaboz, no sudeste do Texas, é um terreno baldio partido ao meio por uma cerca de ferro oxidada de 5,5 metros de altura.
Como não era possível levantar um muro no meio do Rio Grande, que delimita a fronteira natural com o México, as autoridades federais o ergueram alguns quilômetros ao norte da margem.
Assim, algumas das terras por onde o muro passa – e passará, se continuar sendo construído – são propriedade de tribos nativas ou de fazendeiros.
Foi o que aconteceu quase dez anos atrás com Támez, professora de enfermaria da Universidade do Texas no Vale do Rio Grande e ativista dos direitos da tribo lipan apache.
“Ela foi violada”, acrescentou. “Fico muito triste de ver que isto esteja acontecendo e me alegra que meus pais não tenham chegado a vê-lo”.
As autoridades federais lhe deram uma chave para abrir o portão que permite acessar o outro lado de sua terra ancestral: 1,2 hectares de deserto repleto de cactos e mesquites.
Em 2009, depois de perder um processo do governo federal, Támez se viu “coagida” a receber uma compensação de 56.000 dólares, que doou a bolsas de enfermaria no nome de seus pais.
Outros fazendeiros, cujos terrenos ficaram em sua totalidade ao sul do muro, também receberam códigos de acesso a suas propriedades.
Situações como esta podem se multiplicar se Trump tiver êxito em seu projeto de construir muros em toda a fronteira, um terço da qual já está cercada graças a uma lei de 2006 do então presidente George W. Bush.
– O muro é um remendo –
Por isso a separação familiar de imigrantes que atraiu a atenção nacional e internacional nos últimos dois meses teve seu epicentro neste estado, particularmente na região do Vale do Rio Grande, onde Támez vive.
Lá se situam o maior centro de detenção de imigrantes sem documentos e solicitantes de asilo (apelidado “Ursula”, com mais de mil detidos) e o abrigo para menores “Casa Padre”, uma ex-farmácia Walmart que aloja cerca de 1.400 crianças.
Embora Trump tenha ordenado em 20 de junho pôr fim à separação de famílias, mais de 2.000 crianças continuam sozinhas em “centros de processamento” e abrigos.
Para Támez, “a atual crise migratória é resultado da incapacidade do Congresso de fazer cumprir as leis durante décadas”.
“A perda de nossas terras para construir um muro é um remendo à crise migratória, e não a solução”, disse Támez. “O Congresso não foi capaz de governar como deveria. Em vez disso, fazem politicagem”.
“Não é a primeira vez que violam nossos direitos ao nos tirarem nossas terras”, continuou a ativista nativa, citando uma apropriação ocorrida em 1936.